Livro de Bya Braga traz reflexões sobre trabalho do ator contemporâneo
Pesquisadora fala sobre obra de Étienne Decroux e coloca em cena reflexões sobre o trabalho do ator contemporâneo
Definido pelo
teatrólogo Patrice Pavis como um pensador do
corpo, o francês Étienne Decroux ainda é um nome relativamente desconhecido nos
estudos de artes cênicas no Brasil. O fundador da Mímica corporal dramática, ao
longo de mais de 60 anos, desenvolveu pesquisa ligada à arte do ator. Foram as
ideias ligadas ao fazer teatral e sobretudo à postura do artista do palco que
seduziram a atriz e pesquisadora Bya Braga. Além de terem sido postas em
práticas em oficinas no Brasil e exterior, as teorias de Decroux foram
esmiuçadas no doutorado que deu origem ao livro Étienne Decroux e a artesania
de ator: caminhadas para sabedoria, lançamento da Editora UFMG, cujo prefácio é
assinado por Pavis. Bya Braga lembra Manoel de Barros (“repetir, repetir, até
ficar diferente”) ao descrever a Mímica corporal dramática. Segundo a autora,
trata-se de uma prática sistemática de movimentos cênicos. “Esta arte é uma
experiência artesã, cujo corpo é o material primordial a ser tocado, cuja vida
do artista precisa estar disponível a ser metamorfoseada”, define. Leia trechos
da entrevista de Bya Braga ao Pensar.
O que
distanciou durante tanto tempo as ideias de Decroux e a Mímica corporal
dramática dos estudos sobre artes cênicas no Brasil?
Qual a maior
contribuição da Mímica corporal dramática para a prática da atuação teatral nos
dias de hoje?
Um dos aspectos mais difíceis para viver a atuação teatral hoje talvez
seja exercitar o convívio, seja entre os artistas, seja na relação dos artistas
com o público, de modo a fazê-lo, inclusive, em bases menos competitivas, mais
integradoras, solidárias, que possam mais partilhar uma experiência do que
impor algo para ser visto. Decroux revelava alto compromisso com o seu trabalho
e era respeitado por isso. As pessoas que conviviam com ele revelavam uma
entrega artística e humana surpreendente ao trabalho que ele propunha.
Havia um entendimento do investimento feito por Decroux em sua pesquisa
artística e sua contínua experiência pedagógica, além de uma compreensão de que
a escola de ator que ele propunha era algo diferente. Nela a arte estava em
primeiro lugar, não o artista. As ambições profissionais de quem ali chegava
eram profundamente questionadas, revelando uma visão do teatro de modo mais
ampliado do que a constituição de uma empresa teatral. Havia uma ênfase forte
na noção do teatro como um modo de existência, como maneira de ter uma atitude
alternativa diante da vida. Este valor ético é, para mim, fundamental na
proposta de Decroux, mas é inegável que sua proposta artística seja também
inovadora. Decroux convida, por meio do que criou, a estabelecermos um trabalho
teatral de grande disciplina e sem pressa. Hoje há muita pressa para fazer
teatro, muita pressa para se tornar ator e já querer criar uma logomarca de seu
grupo. Com pressa não se consegue autoconhecimento nem um aprimoramento na
relação com os materiais de trabalho de modo a fazer algo realmente
diferenciado do que o cinema e a TV apresentam como atuação.
O que define,
na prática, a Mímica corporal dramática?
Lembro aqui o poeta
Manoel de Barros: “Repetir, repetir, até ficar diferente”. Trata-se de uma arte
que demanda muito treinamento físico e intelectual, pois você pratica uma
sistematização de movimentos cênicos, estuda ações humanas que podem ser
oriundas do fazer cotidiano, podendo transformá-las ao ponto de elas não mais
serem totalmente reconhecidas assim. A mímica corporal é um modo de treinamento
sofisticado de atuação, que convida o ator não a ser somente “profissional”, a
ser uma logomarca, mas a existir. A mímica corporal utilizou bases da cultura
cênica ocidental como a pantomima e o balé e criou outra perspectiva de trabalho
e de expressão cênica.
Por que falar em artesania do
ator?
A atitude
artesã, para mim, no sentido em que trato artesania, é uma ação que visa à
emancipação do indivíduo e não está focada ou restrita na ação para a
fabricação de um produto. O ator contemporâneo merece pensar na possibilidade
de seu fazer ser um ato emancipatório, com radical experiência criadora, para a
qual ele revela coragem de trabalhar sobre si mesmo e promover transformações
de sua existência. Fazer algo benfeito deveria ser uma atitude primordial ao
ator contemporâneo. Não se distanciar da cultura material, ter prazer na
relação com o material (corpo-pensamento-emoção), colocar em segundo plano a
disputa de poder, o dinheiro e a profissionalização em razão disso, bem, é que
desejo ao ator contemporâneo. Mas existem atores contemporâneos que não são
senhores de si, que possuem muita pressa e ambição pautadas na ideologia do
sucesso, cujas habilidades artísticas são questionáveis, mesmo que a arte hoje
tenha rompido fronteiras e territórios. Falo de artesania de ator, portanto,
para dizer da qualidade de atenção que o ator empresta à sua ação, podendo,
sim, se divertir com ela, ter prazer nesta lida cheia de nódoas.
Acredita que a
Mímica corporal dramática e outras ideias presentes na obra de Étiene Decroux
podem contribuir para o desenvolvimento de outras áreas artísticas?
É claro que sim. Mas
prefiro ouvir as outras artes sobre este assunto... Por isso também compus um
livro que conversa com a mímica corporal, que caminha com ela, sendo este um
outro modo de fazer teatro, ou seja, praticando uma arte cênica e escrevendo. O
livro lança informações, reflexões e também desejos, apresenta alguns aspectos
históricos da mímica corporal e também testemunha vivências com ela. Da prática
cênica surge o livro e agora ele quer voltar à prática. A atriz que sou quer
colaborar para que traços da mímica corporal possam ser compartilhados, seja
diretamente por meio dela, seja por meio de outros atores. As outras artes, se
quiserem se aproximar, são bem-vindas. E no convívio outras
"criaturas" poderão surgir... outras artes... Alguns poderão dizer:
isso não é teatro, você não faz teatro. Mas isso não mais importa. Não se deve
assustar. Se for preciso afirmar, bem, é teatro. Mas o mais instigante é viver.
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Étienne
Decroux e a artesania de ator: caminhadas para a soberania
• De Bya Braga
• Editora UFMG, 516
páginas, R$ 76
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Fonte:
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