O continente africano –
geograficamente - encontra-se partilhado pelos quatro hemisférios do planeta.
Cortado pelo Meridiano de Greenwich e pela Linha do Equador, possui 30 milhões
de km² sendo quase um terço destes de desertos. Com seus 55 países sua população
ultrapassa os setecentos milhões. Apresenta grande diversidade física, étnica,
cultural e econômica. Todos esses elementos contribuíram para uma subdivisão
regional, que estabeleceu a África Mediterrânea (também chamada de África
Islâmica ou Setentrional) e a África Subsaariana. Essa regionalização do
continente tem o deserto do Saara como divisor natural e os aspectos humanos,
em especial a religião, como fator cultural. A África Mediterrânea, situada ao
norte do deserto do Saara, é composta por apenas cinco países: Marrocos,
Argélia, Tunísia, Líbia e Egito, além do território do Saara Ocidental. Já a
África Subsaariana, compreende toda a área localizada ao sul do Saara,
correspondendo a mais de 75% do continente. Mesmo sendo esse continente de dimensões
gigantescas e possuidor de uma cultura e história ancestral que remonta ao
berço da humanidade, pouco conhecemos dele. Quase sempre o olhar sobre a África
se dá como se essa fosse uma só. Povoada por aldeias rupestres e reduzida às
paisagens das Savanas onde homens usando trajes e armas primitivas caçam seu
alimento. Um lugar arcaico, exótico e longínquo, separado de nós por séculos de
atraso tecnológico e humanista, que detém como características mais
importantes, além dos seus leões, elefantes e girafas, ter sido ele o provedor
de mão de obra escrava para o mercado atlântico. O estereotipamos -
recorrentemente - como um continente de desigualdades sociais, dizimado por
guerras, doenças, ignorância e miséria. A verdade é que reproduzimos um
olhar discriminatório e eurocentrista que abdica das diferenças e de suas
peculiaridades. Precisamos entender que a África são muitos e diferentes
países. Povos com tantas distinções culturais e linguísticas como são distintos
os povos europeus, americanos ou asiáticos.
Felizmente, em legislação
recente, o Ministério da Educação busca corrigir esses equívocos e
desinformação sobre a África, desde muito existente em nossos currículos, e
mais especificadamente no ensino de História nas escolas de Ensino Básico
inserindo a matéria “História da África” nos currículos nacionais das diversas
modalidades e níveis de ensino. Esta ação é o reconhecimento que a exclusão da
“História da África”, durante toda a história do ensino no Brasil, é um entre
vários exemplos do racismo. Ela exclui, por forças simbólicas, o africano e/ou
o afrodescendente da História do Brasil. Importante salientar que esse resgate
ou inserção vem prioritariamente através de esforços dos movimentos negros, com
participação dos meios acadêmicos, com o objetivo em fomentar pesquisas na
direção de elaborar programas que sejam capazes de produzir análises críticas e
fundamentações teóricas que visem problematizar com mais profundidade a
História da África e as relações com nossos caminhos, tropeços e avanços enquanto
nação.
Mas por que estudar a
África? Que importância isso tem? O que conhecemos dela? O que sabemos das
nações africanas ocupando múltiplos espaços e identidades? Nosso conhecimento
sobre esse continente, na maior parte das vezes, não passa de um amontoado de
informações preconceituosas que prejudicam a possibilidade em se constituir uma
visão mais abrangente e rica de sua história e das fecundas influências sobre
as engrenagens que moldaram nossa identidade. É evidente, que isso já está
descrito - por uma quantidade ainda que insuficiente de textos - mas de
relevância sobre o tema e que denunciam a impossibilidade de se ter uma melhor
compreensão de nossa história e pluralidade cultural. Sem se conhecer os
fatores pertencentes à História Africana, como sermos capazes de entender
melhor os matizes do nosso próprio processo civilizatório? Poderíamos, apenas a
título de exemplo, citar como o cultivo do açúcar, algodão ou café foram
monoculturas economicamente fundamentais ao desenvolvimento do Brasil e que são
conhecimentos oriundos não de uma Europa civilizada, mas de um passado
africano. A construção de todo um patrimônio artístico que coloca o Brasil numa
esfera diferenciada e única. As artes plásticas desde o barroco aos dias
atuais, a música, a dança, o teatro, a literatura. Embora durante a maior parte
da História do Brasil esses artistas negros tenham sido colocados compulsoriamente no
anonimato, lá estão as marcas indeléveis de sua criação e da herança africana
que carregam em sua expressão - é só querer ver e sem muito esforço.
Nossa própria língua em sua raiz, tendo em sua base, não apenas influências do
Latim, mesmo que predominante em nosso idioma, não deveríamos ignorar a
presença Árabe e do Suarili, este último absolutamente obscurecido. Isso, sem
esquecer da presença indígena em nosso linguajar. Esse conjunto de influências
propiciou o gosto brasileiro pela oralidade, como na expressões e modos de
lidar com nosso vocábulo: palavras, frases e orações que foram e são urdidas de
uma maneira muito particular e que dão a Língua Brasileira toda uma
complexidade e sofisticação.
Outro importantíssimo
exemplo, que não poderíamos nos furtar em pontuar, foi a existência dos
Quilombos desmistificando a ideia do negro escravo submisso e passivo às ações
criminosas de seus “donos”. Longe da caricatura do negro fujão, foi
símbolo de luta e resistência e conhecer a complexidade dos Quilombos e do que
eles representaram e representam significa, antes de tudo, saber sobre a
complexidade e movimento das sociedades africanas antigas adaptadas à realidade
brasileira, conhecimento infelizmente distante ainda das nossas salas de aula.
Poderíamos ainda citar
outros exemplos de influência africana. Esta, sendo o berço da humanidade, onde
surgem os primeiros humanoides. Falar das civilizações que ali floresceram e
que são definitivas na fisionomia de uma cultura ocidental. O comércio
originário na África com ela mesma e para o resto do mundo, inclusive nas
Américas bem antes de Colombo. Se usássemos de uma metáfora transformando o
Brasil em uma árvore alimentada pela seiva nutritiva oriunda de três veias
subterrâneas, uma dessas seria africana. Portanto, não se explica a ideia de
que a África e os afrodescendentes contribuíram e/ou contribuem com a formação
de uma cultura brasileira. O próprio termo contribuir já
expressa o caráter discriminatório: é como se esse fosse um tempero que ajudou
a dar algum sabor à sopa. A verdade e que a África não é tempero, é ingrediente
protagonista nesse caldo de cultura, fazendo parte contundente de tudo que
fomos e somos. Assim, é imprescindível que a História da África passe a ser
trabalhada em sala de aula com o objetivo em desmistificar criticamente, a
partir de argumentos históricos e teóricos, estereótipos e clichês preconceituosos
presentes no imaginário de grande parte da população: nas falas de pessoas, nas
notícias de jornal, nas imagens do cinema, da televisão e etc.
Sabemos que o processo de
ensino da História da África encontra dentro das escolas forte resistência de
parte de pedagogos, professores e alunos motivado, principalmente, pelo
preconceito e desinformação. Embora tenhamos avançado nesse ponto, são notórios
os obstáculos postos a inserção deste conteúdo na grade curricular. Além disso,
não são poucos os livros didáticos que ainda insistem em tratar o negro como
sinônimo de escravo. Basta observarmos, como exemplo, as aquarelas de Debret
representando sucessivamente imagens do negro acorrentado, açoitado, inerte.
Somando-se a isso a mídia parece corroborar com essa ideia apresentando
massivamente uma África exclusivamente de florestas, apesar de que apenas um
pouco mais de três milhões de km² do seu território serem preenchidos por
estas. Quanto ao africano, sistematicamente apresentado como um faminto,
miserável, raquítico necessitando urgentemente de ajuda branca e humanitária. O
racismo, velado ou não, ainda é bastante presente neste contexto, sendo uma
reação ao imaginário discriminatório que nos persegue. Assim, a desconstrução
do racismo dentro do universo escolar deve ser realizada através de um
sistemático e incansável processo do ensino/aprendizagem onde uma África
civilizada, de ontem e de hoje, seja apresentada em toda sua diversidade e
conhecimento: com suas cidades, comércio, manufaturas, escrita, cultura, arte,
matemática. Mostrar que os que ali viviam e vivem não eram e não são um bando
de selvagens de intelecto inferior, perdidos, vivendo isolados na selva sem
compreender o mundo em que viviam ou vivem.
Apresentar essa África
civilizada é mostrar aos nossos alunos que em sua história houve civilizações
de grande porte, ocupando vastos territórios e possuidoras de organizações
sociais complexas. O farto comércio entre povos com as caravanas costurando
inter-relações econômicas, políticas e fomentando o surgimento de estados
nacionais. Os livros didáticos não cansam em apresentar o continente europeu
com o detentor do conhecimento. Contudo, os índices de analfabetismo e
ignorância entre as populações europeias durante todo o período da Idade Média
eram enormes. Foi apenas nas cruzadas que os europeus passaram a ter acesso a
conhecimentos mais sofisticados da matemática, física, química e onde a escrita
ganha novos contornos. Fato que denota que a África e as Nações Árabes já eram
muito mais sofisticadas tecnologicamente do que a Europa e se mantiveram assim
até o início do século XVI.
Luciano Loureiro
lucianocloureiro@gmail.com
2014
PS. Este texto pode ser utilizado,
integralmente ou em parte, desde que respeitado os direitos autorais e citação
do autor.
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