Ela me contagiou com sua paixão por W. Shakespeare.
Lembro-me dela dizendo que a cor preta em Hamlet não era apenas respeito
ou luto pela morte de seu pai, mas antes, um ato de protesto!
Aliás, não apenas a paixão pelo Bardo, mas também por um olhar não discriminatório
sobre o teatro de feições “singela” e popular ocorrido no Rio de Janeiro entre
o último quartel do século XIX e o primeiro do XX.
Essas, para mim, foram o divisor de águas, não apenas em criar o prazer que tenho por esse teatro, mas para entender a possibilidade de como existir um Shakespeare para todos.
Essas, para mim, foram o divisor de águas, não apenas em criar o prazer que tenho por esse teatro, mas para entender a possibilidade de como existir um Shakespeare para todos.
“Tudo está na Bíblia ou em Shakespeare.” (B.H.)
Vá em paz
professora...
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Na manhã do dia 10 de abril de 2015, no Hospital Samaritano, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, onde estava internada desde março, faleceu a professora, historiadora, crítica teatral e tradutora Barbara Heliodora.
Os pais de Barbara Heliodora |
Foi no Jornal do Brasil, onde trabalhou até 1964, que sua carreira
conquistou respeito e seriedade pelo conhecido rigor dos seus artigos e críticas.
Ela era responsável pela resenha de teatro do jornal. A classe teatral
brasileira se referia a ela como a "Dama de Ferro". Nos teatros,
gostava sempre de sentar nas primeiras fileiras para assistir aos
espetáculos. Integrante
e uma das líderes do Círculo Independente de Críticos Teatrais, Barbara atuou
como crítica até 1964, quando se afastou do “Jornal do Brasil” para assumir a
direção do Serviço Nacional de Teatro (SNT), cargo que exerceu até 1967. Daí em
diante, dedicou-se integralmente ao ensino. Como professora do Conservatório
Nacional de Teatro e também do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, lecionou
História do Teatro, entre outras disciplinas, até a sua aposentadoria, em 1985. Entretanto, na segunda metade da década de 90 retorna à UNIRIO e ministra aulas no Curso de Mestrado em Teatro.
Barbara voltou
ao exercício da crítica teatral em 1986, na revista “Visão”, e logo depois se
estabeleceu como a principal crítica teatral do jornal GLOBO, cargo que exerceu
ininterruptamente até janeiro de 2014, quando anunciou a sua aposentadoria.
Mesmo sem a rotina de escrever diariamente sobre teatro, Barbara
continuou a fazer traduções e participar de mesas de debates sobre Shakespeare,
em reuniões semanais em sua casa, no Largo do Boticário.
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Tradutora de
obras teóricas fundamentais da História do Teatro, como “O teatro do absurdo”,
“A anatomia do drama” e “Brecht: dos males o menor”, todos de Martin Esslin,
além de “Shakespeare”, de Germaine Greer. Um
de seus maiores desafios foi a tradução de mais de 30 peças de Shakespeare para
o português.
Nos anos 1970,
ela deu uma guinada na sua carreira como teórica, tendo seus primeiros livros
publicados. O primeiro deles, “Algumas reflexões sobre o teatro brasileiro”
(1972). Em 1975, como acadêmica da USP, defendeu a tese de doutorado “A
expressão dramática do homem político em Shakespeare”, publicado posteriormente
em livro. Em 1997, "Falando de
Shakespeare", onde reuniu conferências realizadas ao longo de 15 anos de
trabalho. Em 2000, Barbara escreveu "Martins Pena, uma introdução", a
convite da Academia Brasileira de Letras. Em 2004, ela lançou uma
coletânea de ensaios: "Reflexões Shakespearianas". E na
companhia de outros quatro autores, lançou em 2005 "Brasil, Palco e
Paixão" - Um século de Teatro", sobre uma parte da história do teatro
brasileiro no século XX. Em 2013 publicou “A história do teatro no Rio
de Janeiro”. Em 2014, teve fôlego para lançar “Shakespeare: o que as peças
contam — Tudo o que você precisa saber para descobrir e amar a obra do maior
dramaturgo de todos os tempos”. O último
livro foi "Caminhos do teatro Ocidental", resumo do trabalho como
professora de história do teatro, de 1966 a 1985.
Em uma de suas últimas entrevistas disse que pensava sobre a
contribuição do teatro. "O teatro é um documentário perfeito da história
do ocidente. Você lendo as peças você vai acompanhar o desenvolvimento do
ocidente exatamente. Os autores teatrais acabam refletindo exatamente a
história toda".
Ao aprofundar
seus estudos sobre Shakespeare, Barbara se tornaria referência internacional
sobre o mais importante autor da dramaturgia universal, tendo representado o
país em eventos internacionais e publicado ensaios em publicações conceituadas,
como o Shakespeare Survey, na Inglaterra. Além claro, de consolidar-se como uma das mais importantes e respeitadas
pesquisadoras do teatro brasileiro.
L.L.
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Jornal O Globo
“Uma espécie de tensão silenciosa se instalava
quando ela chegava ao teatro, como se anunciasse: Barbara Heliodora, a grande
dama da crítica teatral brasileira, chegou. Era fácil distingui-la. Trazia os
belos cabelos brancos sempre bem penteados, os óculos generosos bem
equilibrados sobre o nariz afilado, a postura ereta. Parecia uma senhora
sorridente inglesa, daquelas que observam com prazer e rigor o chá servido em
finas xícaras de porcelana. A alusão à Inglaterra não é gratuita. Barbara
Heliodora estava entre as maiores especialistas (e tradutoras) na obra do mais
celebrado dos autores ingleses, William Shakespeare. O país acaba de perder a
inteligência arguta, o humor ferino e a sinceridade dolorosa de Barbara
Heliodora, que marcou sucessivas gerações com suas críticas afiadas —
publicadas de 1990 a 2014 no Segundo Caderno do GLOBO.
Diretores e atores do teatro carioca sabem bem disso. E, concordando ou não com suas análises, ninguém ficava indiferente ou deixava de dar valor à atenção e ao cuidado da análise da veterana especialista — fosse à qualidade da iluminação ou aos detalhes do cenário. Nos últimos anos, mesmo com idade avançada, e já debilitada pelas sucessivas pneumonias que acabaram por vencê-la, Barbara mantinha uma rotina profissional impressionante, assistindo de quinta a domingo a espetáculos para todos os gostos e de todos os níveis: de iniciantes a consagrados nomes da cena teatral.” (10/03/2015)
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