No dia 10 de fevereiro
de 1898, nascia um dos maiores dramaturgos da história do teatro mundial:
Bertolt Brecht. O autor, que se fosse vivo completaria 115 anos no próximo
domingo, se destacou ao propor uma nova maneira de fazer teatro, com uma
linguagem que pudesse ser acessível a todos, e uma plateia mais participativa.
Mesmo hoje, tantos anos depois, o dramaturgo continua influenciando grupos
teatrais que buscam um teatro crítico e popular.
Nascido na Alemanha, o
escritor estudou medicina e chegou a trabalhar como enfermeiro durante a
Primeira Guerra Mundial. No entanto, foi a paixão pelo teatro que impulsionou a
vida de Brecht. A partir de 1929, o dramaturgo deu início à formulação da sua teoria
do teatro épico, de base crítica e sem a pretensa ilusão da realidade, tão
comum nos espetáculos feitos até então. De acordo com o crítico literário e
teatral José Antonio Pasta, o escritor alemão foi um dos primeiros a conseguir
equacionar a relação do épico com o dramático.
– Brecht foi o artista
que acertou o relógio do teatro com a modernidade. Ele amadureceu as tendências
épicas que ainda estavam em germe. Criou um teatro de militância, mas sem nunca
abrir mão do maior rigor estético. Brecht provou que militância política e
invenção formal não são exclusivas – ressalta.
Nessa época, final dos
anos 20, Brecht associou sua militância aos movimentos políticos que existiam
na Alemanha, até a tomada pelo nazismo. A partir de então, no exílio, em países
como França, Dinamarca, Finlândia e Estados Unidos, foi que o escritor escreveu
algumas das suas peças mais famosas e que melhor representam suas teorias, como
“Terror e Miséria do Terceiro Reich”, “Os Fuzis da Sra. Carrar”, “A Vida de
Galileu”, “Mãe Coragem e Seus Filhos”, “A Boa Alma de Setsuan”, entre
outras.
A “epicização” aceita
por Brecht sintetizou algumas das mais importantes transformações no meio
teatral, dividindo a história do teatro ocidental em antes e depois de Brecht.
Defensor da contradição, o dramaturgo introduziu técnicas de efeito de
distanciamento em todas as relações do teatro, fosse entre espectador e peça, ator
e personagem, música e cena, de forma que todo o espetáculo se transformasse em
um consenso de contradições.
– Brecht, acima de
tudo, é um grande poeta. Trouxe o teatro épico, tornando os acontecimentos
aparentemente mais banais em “fatos
históricos”, transparentes
à historia do mundo. Eliminou a cortina, as bambolinas (panos pretos), que
cobriam os refletores, fez o ator dirigir-se ao público e atuar na terceira
pessoa, aplicando o efeito “V” (o “afastamento”) para
destacar a ação de uma interpretação dramática e causar estranheza no que
parece natural – destaca José Celso Martinez Corrêa, diretor do Teat(r)o
Oficina.
Ao voltar para a
Alemanha, em 1949, Brecht pôde, finalmente, realizar no palco suas propostas,
fundando ainda o grupo teatral Berliner
Ensemble, ao lado da mulher Helene Weigel. No entanto, Brecht teve
pouco tempo para colocar em prática tudo o que havia desenvolvido até então.
Vítima de um ataque cardíaco, o dramaturgo morreu no dia 14 de agosto em 1956,
mas não sem antes deixar um legado que vem influenciando grupos de teatro até
hoje.
José Pasta destaca que
Brecht construiu uma obra com um repertório de aproximadamente 40 peças
adequadas às mais diferentes relações políticas e sociais, para que os grupos
teatrais pudessem escolher o mais adequado ao seu perfil. Preocupado com a
durabilidade do seu trabalho, Brecht tinha consciência da importância de criar
um teatro modelar e duradouro, para que pudesse ser adotado independente dele.
Sobre isso, o crítico relembra uma citação do dramaturgo: “Tenho que dar às
minhas propostas uma forma duradoura, porque muito tempo se passará até que
possam ser ouvidas”.
De
fato, muitos anos se passaram entre a criação dos textos e suas primeiras
encenações. Contudo, sua marca segue presente no trabalho de grupos como o
Teat(r)o Oficina, Tá na Rua, Companhia do Latão, entre tantos outros, que
operam a partir do legado brechtiano.
– Brecht é um autor que
provoca e por isso gera círculos em torno dele. Estamos vivendo hoje um momento
de atualização das propostas dele com foco no espectador, nesse teatro de
performance. Eu costumo dizer que Brecht é um autor brasileiro, porque ele
perpassa toda a história do teatro no Brasil, passando pelo Oficina e
influenciando grupos até hoje – explica Ingrid Koudela, professora de
pós-graduação da ECA-USP.
O legado de Bertolt
Brecht no teatro contemporâneo
Criado em 1958, o
Teat(r)o Oficina, localizado em São Paulo, tornou-se uma das mais importantes
companhias teatrais brasileiras. Após o incêndio que destruiu as estruturas do
teatro em 1966, Zé Celso pediu ao cenógrafo e arquiteto Flavio Império que construísse
um Teatro Brechtiano. A
inauguração foi marcada pela encenação de “O Rei da Vela”, de Oswald de
Andrade.
– Passamos a ler Brecht
a partir de Oswald. Assim foi a encenação de “Galileu Galilei”, que juntava o
coro recém-massacrado de “Roda Viva” com os protagonistas de “O Rei da Vela” e
outros convidados. Depois, com a chegada de Lina Bardi, que fez a arquitetura
cênica de “A Selva das Cidades”, do jovem Brecht, fomos caminhando para a forma
atual do Terreiro Eletrônico do Teat(r)o Oficina, chamado hoje Rua: Lina Bardi
– detalha Zé Celso.
Em dezembro do ano
passado, o Teat(r)o Oficina encenou o musical “Acordes”, escrito por Bertold
Brecht em 1929, como reação à filiação do piloto Charles Linderbergh, para quem
tinha escrito a peça “Vôo Sobre o Oceano”, ao partido nazista. Fiel estudioso das
peças e estudos teóricos de Brecht há mais de 40 anos, o diretor explica a
influência do dramaturgo na trajetória do Oficina:
– Fomos além de mostrar
os refletores, de atores dirigindo-se ao público.
Escancaramos todo o
espaço cênico como um terreiro e fora dele nas ruas, como espaço de atuação.
Como Brecht, nos liberamos do “drama”, mas
criamos uma via para o teatro absolutamente original no mundo, um teatro, como
diz o poeta Oswald, “De Exportação”.
Outro grupo que segue a
doutrina proposta por Brecht é o Tá na Rua, criado a partir da vontade de fazer
um teatro que pudesse promover discussões políticas, sociais e culturais e que,
para José Pasta, traz o teatro para o “chão dos homens”. De acordo com Amir
Haddad, fundador da companhia, mesmo quem nunca ouviu falar de Brecht se
beneficia, de alguma maneira, da liberdade trazida pelo escritor.
– Brecht queria uma
linguagem que fosse acessível a todos. Queria fazer um espetáculo que
provocasse o público como uma luta de boxe fazia, ele queria uma plateia
participante. Hoje, ao fazermos nosso trabalho, muitas vezes pensamos: Nosso
Brecht ia gostar disso. Na rua, você tem uma plateia mais heterogênea que te
permite modificar sua maneira de trabalhar – observa Haddad.
Bertold Brecht abriu as
portas do teatro e entrou para história da dramaturgia mundial, fazendo-se
presente até hoje. Mas nem sempre foi assim. Apesar da importância em torno do
dramaturgo, segundo a professora Ingrid Koudela, é comum haver, em certos
momentos, um silêncio em torno do Brecht, opinião compartilhada pelo crítico
José Pasta:
– Muitas vezes há mais
do que um silêncio em torno do Brecht. Costuma haver uma difamação dele, há uma
batalha permanente em torno da sua figura. Hoje, ele é uma presença: quando não
consciente no teatro de grupo, é inconsciente e atua na formação dos atores.
Ele é uma presença real e viva no teatro contemporâneo.
Amir Haddad
complementa:
– Brecht é cada vez
mais atemporal. Quanto mais se avança a história, maior a necessidade de se
pensar um teatro que aponte para o futuro e não há como fazer isso sem passar
por Bertolt Brecht.
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Fonte: reportagem
especial sobre o dramaturgo alemão no portal Globo Teatro: http://ow.ly/hrVdv .