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sábado, 26 de maio de 2012

A arte não pode ser inferior à ciência, por Charles Kiefer



Clique no link abaixo para ler a matéria no blog do próprio autor:



Equivalência de forma e tratamento

Sou professor universitário e escritor. E como acadêmico-escritor vivo uma situação patética, para não dizer hilária.
Escrevo um romance. Que me toma anos de pesquisa, anos de trabalho para redigi-lo. Não faço citações, não transcrevo textos alheios. Minha bibliografia é o conjunto de obras que fui capaz de ler ao longo de toda a minha vida, somada aos filmes que vi, às músicas que ouvi, às experiências que vivi. Como sou professor-universitário de pós-graduação em Escrita Criativa, vivo acossado pelo que se conhece por produção acadêmica, dados que precisam ser lançados no Currículo Lattes, por que se eu não tiver uma determinada pontuação, serei descredenciado; meu curso, no caso a Faculdade de Letras, será prejudicado no ranking nacional das universidades brasileiras.

Meu romance, tão demorada e pacientemente elaborado, alguns me tomam quatro ou cinco anos de trabalho, atividade em que apliquei engenho e arte, em que procurei o que a crítica literária chama de tour-de-force, não vale praticamente nada comoprodução acadêmica.
E, depois que publico o romance, vivo uma situação verdadeiramente kafkiana.

Um aluno faz um ensaio de algumas páginas sobre omeu romance e publica suas considerações numa Revista de Qualis A e recebe uma pontuação maior que a minha em termos de produção acadêmica...
Por quê?

Porque tolamente o meu país, seus governantes e todos os reprodutores de platitudes, que não leram as críticas de Emanuel Kant, a da razão pura, a darazão prática e a da razão estética, consideram a arte, qualquer que seja, inferior ao que eles consideram ciência...
Ciência e arte são modalidades dialéticas de um mesmo processo mental. As entidades artificiais (e sublinho o sintagma), como já disse Luis Racionero, que compõem a arte são previamente inexistentes, como as da ciência. Nossos golens de palavras e nossos labirintos de imagens não diferem, em essência, das fórmulas, dos signos, dos parâmetros, das funções, dos gráficos e leis que compõem os conjuntos de relações simbólicas de qualquer ciência.

Até o final do século XVII a mesma technécomandava os dois fenômenos, arte e ciência. Sem o conhecimento da perspectiva, Leonardo da Vinci não teria sido possível. O Sturm und Drang é que transformou essa excisão numa condição intrínseca. E que é completamente falsa. E injusta.
Assim que deixarmos o romantismo para trás, haveremos de reintegrar esses dois processos e nos livraremos do preconceito que causou essa triste separação. Birkhoff já elaborou a fórmula da valoração estética, se é que precisamos apelar para o jargão científico: m = o/c. Nessa fórmula, as variáveis são: c = complexidade do objeto; m = sentimento de valor ou medida estética; e o = quantidade de harmonia, simetria e ordem. 

O Brasil mudou. Além de uma mulher na presidência, temos agora uma presidenta. Reacionários e conservadores foram unanimemente “científicos” na afirmação da impossibilidade de declinação, embora o vernáculo já consignasse o termo como substantivo feminino há séculos.
A mudança de postura quanto ao valor da produção artística, para fins de pontuação no Lattes, passa também por uma tomada de posição política. Nossos gestores educacionais hão de ser coerentes com os novos ares que sopram sobre a República e hão de reavaliar esse equívoco. Na PUC do Rio Grande do Sul já temos mestrado e doutorado em Escrita Criativa, um curso que formará novos professores-escritores, formandos que serão lesados academicamente, caso esse estado de coisas persistir.

A teoria da relatividade e a teoria quântica há muito destruíram a noção cartesiana de objeto científico. Quando a própria matéria já deixou de ser uma substância sólida para se transformar em energia vibratória, um oceano de luz e movimento incessante, a noção, atrasada e preconceituosa, de ciência precisa ser revista, especialmente nas ciências humanas (ué, literatura é ciência humana?).
Professor de Escrita Criativa, com mestrado em Literatura Brasileira e doutorado em Teoria Literária, exijo equivalência de forma e de tratamento no Currículo Lattes. Ou então que os professores-cientistas produzam textos artísticos também.

8 comentários:

  1. GOSTARIA DE RECEBR O ARQUIVO DESTE TEXTO PARA EU PODER LER.NÃO CONSIGO AUMENTAR.

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    1. Olá Marcão!

      No final da minha postagem publiquei o link para o Blog do próprio autor onde você poderá encontrar esse artigo.

      abrç.

      Luciano Loureiro

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  2. MUITO BOM, O ARTIGO! PARABÉNS!
    ALGUNS PROFISSIONAIS COM QUEM TRABALHO/TRABALHEI DEVERIAM LER TB. MAS NÃO VALE A PENA INCOMODÁ~LOS, TIRÁ-LOS DO CONFORTO DE SEUS PRÓPRIOS PENSAMENTOS...

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    1. Olá Sandra!

      Principalmente nas Universidades Federais, não?

      bjs.

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  3. Respostas
    1. Olá.

      Entre em contato com o autor: http://charleskiefer.blogspot.com.br/2012_04_01_archive.html

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  4. Respostas
    1. Olá Carol,

      Não sei em que jornal foi publicado, mas na matéria está o endereço do blog do Charles. Entre em contato com ele para obter essa informação.

      abrç.

      Luciano

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