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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A Tempestade com a PeQuod




A Tempestade

Espetáculo está em cartaz no Teatro do Jockey, no Rio

De forma inusitada e criativa, a Cia PeQuod traz para os palcos cariocas o denso espetáculo de Shakespeare, “A Tempestade”, encenando com atores e variadas técnicas de animação. A atual montagem traz novos desafios para a PeQuod, sem alterar a personalidade da companhia ou desprezar suas raízes no teatro de bonecos. Dessa vez, objetos animados caminham ao lado do elenco, que ganha ainda mais destaque nesta peça: “A densidade do texto de Shakespeare obrigou-nos a investir mais no trabalho de atuação da PeQuod, algo que vinha se esboçando nos últimos espetáculos e que nesta montagem acabou ganhando muito mais espaço”, destaca Miguel Vellinho, que assina a direção junto de Miwa Yanagizawa.
Escrita em 1610 e considerada por muitos a última peça escrita por Shakespeare (há outras posteriores inacabadas e/ou em parceria com outros autores), “A Tempestade” trata de questões humanas como a busca da liberdade e, para o personagem principal, Próspero, o desejo de vingança. Misteriosa e profundamente enigmática, a obra apresenta uma gama de personagens que se encaixa perfeitamente no perfil da PeQuod, sugerindo novos caminhos em termos de encenação: “Experimentamos algo que nos atrai cada dia mais, o teatro de sombras. É uma técnica muito atraente e que nos interessa particularmente. Por conta dessa questão, estudamos muito a luz existente na obra de Caravaggio, sempre muito lateral e cheia de áreas claras e escuras. Essa pesquisa foi nos encaminhando para entender como o ator se colocaria no palco e foi determinante em muitas cenas”.
Quem não dispensa ver os bonecos no palco, não precisa se preocupar; a PeQuod não pretende deixá-los de lado, a intenção é experimentar novas maneiras de atuação: “Dependendo do projeto podemos estar mais ou menos presentes, mas é neste campo híbrido que podemos nos desenvolver melhor. Já estamos pensando em um novo projeto em que a figura do ator não está presente, ou seja, só bonecos em cena. Acho muito difícil ficarmos muito tempo longe dos bonecos. Nosso diferencial está aí e acreditamos que há ainda muita coisa a ser explorada com eles, não só no teatro, mas também no cinema e na televisão”, conclui Miguel.

2 comentários:

  1. CRÍTICA TEATRAL
    IDA VICENZIA FLORES
    (da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
    (Especial)

    Em cartaz no Teatro do Jockey até dia 16 de dezembro, “A Tempestade”, de William Shakespeare, tradução de Geraldo Carneiro; direção Miguel Vellinho e Miwa Yanagizawa; dramaturgia e adaptação de Izadora Schettert, em trabalho conjunto com os diretores. Marcos Nicolaiewsky é o artífice dos objetos em cena. O projeto é do PeQuod.
    Trata-se de um Shakespeare “de animação”, por isso estabelecemos nesta crítica, como primeiro passo, as atividades pré-cênicas citadas acima, e que tanto influenciam a cena. O resultado, inusitado para um Shakespeare, é um espetáculo ilustrado pelos movimentos brevíssimos de uma performance oriental. Embora tal afirmação possa parecer estranha, tudo no espetáculo, desde as ondas do mar, as árvores na mata, as embarcações na tempestade, os jogos - são trabalhos tão delicados (executados em papel) que, unidas a sons e luzes, e ao desempenho dos atores, provocam sensações que nos remetem a uma realidade além da nossa, influenciada que é pelo teatro ocidental, a uma realidade poética e agressiva tão... oriental! É o “teatro”, muito além da palavra. Parece estranho, em se tratando de Shakespeare, que a palavra não se transforme no domínio da ação. Nesta fantasia de sons, luzes e sombras há o esboço de um teatro oriental que, segundo as palavras de Yun-Cheol, presidente da AICT – “não fornece uma versão da realidade, mas uma espécie de jogo, em que o “estilo” é mais importante do que a “narrativa”.
    Não estamos querendo dizer, com isso, que a narrativa de Shakespeare não seja estrutural, porém, neste caso, ela não é dominante, está integrada a outros fatores que a compõe, independentes dela. Daí o mistério de sua proposta. Ariel, por exemplo, aquele ser da floresta (bela interpretação de Mariana Fausto), não tem compromisso com a palavra, mas com os gestos. É um espírito encantado. Ele depende muito mais da concepção de quem o apresenta. Há vários Ariel..., porém o de Vellinho e Miwa, desenvolvido por Mauricio Durão - através de sua trilha sonora - e por Renato Machado, através da luz, provoca um bem sucedido encantamento, em sua transposição para a cena. Esse é um fator de “estilo”.
    Há, na cena em geral, um envolvimento mágico - e a constatação de como é simples realizar coisas belas. Essa montagem talvez tenha sido a mais delicada e verdadeira, das versões a que já me foi dado assistir. Próspero, por exemplo, o destronado duque de Milão (interpretado com carisma por André Gracindo) tem aparições e desaparecimentos súbitos – proporcionados pela luz e pelo ângulo em que o ator se projeta - na cena. Esses recursos são testemunhos de sua integração e da vivência misteriosa que ele estabelece na ilha em que está condenado a viver (e o faz por um longo tempo). Há uma hierarquia (amorosa), criada por ele, onde não impera a ameaça do tirano. Como a magia comanda a sobrevivência na ilha, e o poder da magia, que Prospero domina, está acima da vida e da morte, ele precisa somente dominá-la, para ser respeitado.
    Ariel se torna uma espécie de secretário de Prospero, e aceita a perda provisória de sua liberdade. Ele, que é o espírito livre da floresta, aceita colaborar com o Bem, no momento devido. A hierarquia, estabelecida por Próspero, na ilha, após o naufrágio, é obedecida por todos, inclusive pela doce e decidida Miranda, sua filha (interpretada com verdade por Raquel Botafogo), e também por Caliban (um excelente Paulo Giannini), o gênio do Mal, que serve a contragosto a seu senhor, até se aproximar de outro ser, que considera mais poderoso do que Prospero. Grotesco, primitivo e bajulador, Paulo Giannini se sai muito bem do desafio.

    Segue...

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    1. Continua...

      Como sói acontecer, nas peças de Shakespeare, os “representantes do povo”, tão queridos ao autor, também aparecem em “A Tempestade” nas figuras do “jester” Trúnculo (Liliane Xavier em hilária e competente interpretação), e o drunken “Butler” Estefano (Gustavo Barros, também entregue positivamente ao papel). A ilha é um mundo, no qual todos os sentimentos se manifestam. Há inveja, intriga, amor (a cena do enamoramento de Miranda com o filho do rei de Nápoles, Fernando (Miguel Araujo) é sutil e cheia de encantamento. Há momentos de grande beleza, nesta montagem. Mas, e principalmente, devemos destacar a sua singeleza, seja nos figurinos (destaque para o de Ariel) de Daniele Geammal; na ação, ou no cenário (Carlos Alberto Nunes). A equipe técnica é responsável pela magia em cena, tendo na iluminação de Machado o seu ponto forte. Há, na cena, o predomínio dos tons pastéis, o que dá a ela a aparência de fatos acontecidos em “um longo tempo atrás”, estabelecido pelas sombras de Cisko Dis, e o cenário de Carlos Alberto Nunes.
      Enfim, a história de “A Tempestade” é bem conhecida: um irmão usurpa o trono ao herdeiro e o abandona em um barco, para morrer em pleno oceano, na companhia de sua filha Miranda. Mas o pai, Prospero, conhecedor das magias da natureza e da força dos seres da floresta, se comunica com eles. O representante nefasto dessas forças é Caliban. Em resumo, Shakespeare fala em traição e, também em perdão e amor. Este aparece quando o rei de Nápoles, que também naufraga na ilha (ação de Prospero?), possibilita a Miranda conhecer um jovem, Fernando, o filho do rei. Eles se apaixonam e tudo acaba bem. No final da peça, Ariel é devolvida a seu reino na floresta, e Caliban tem nova oportunidade na vida. E o traidor irmão do duque, Antonio (Gustavo Barros), recebe o perdão de Prospero. Pedro Florim e Tales Coutinho fazem pequenas intervenções como os lordes e o velho amigo e defensor de Prospero no reino.
      Para encerrar, a bela frase do duque de Milão: “a vida é feita do material de que são feitos os nossos sonhos” (desculpem a tradução de memória), frase chave na peça: a mais reconhecida. Pois ela quase é perdida, ao menos no dia em que assisti, tal a surpresa de Prospero, ao perceber que alguns de seus súditos (os da plateia), não a conseguiam captar. A delicadeza nos impede de mencionar a falha (do público), mas o certo, "meu doce Shakespeare", é que às vezes jogamos ao desconhecido os nossos sonhos mais amados, e os vemos cair no vazio. O duque de Milão perdeu o arroubo, e quase a elegância, ao pronunciar a bela frase. E essa foi a única grande perda, no dia em que assisti "A Tempestade". Mas a arte é assim mesmo, cheia de altos e baixos. Um consolo: foi único senão do ator André Gracindo, em um trabalho de personagem tão bem desenvolvido. Conclusão: há um longo caminho a percorrer até o dia em que o "sonho" seja reconhecido, e encontrado, por pessoas que nele acreditam. É para estas pessoas que indico “A Tempestade”, do PeQuod, um espetáculo de beleza singela.

      Fonte: http://www.idavicenzia.blogspot.com.br/2012/11/tempestade.html

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