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domingo, 19 de abril de 2015

Adeus a Judith Malina

15 de abril de 2015

Malina e Beck: presos e expulsos pela ditadura.


Por Carlos Ávila

A morte recente da atriz Judith Malina, aos 88 anos, quase passou despercebida pela mídia brasileira. Uma das fundadoras do Living Theater, ao lado de seu companheiro Julian Beck (1925/1985), Malina manteve-se ativa por toda a vida, no teatro e no cinema, desde o final da década de 1940 até os anos 2000. O Living – que foi criado em Nova York, em 1947 – era um grupo de vanguarda, experimental e radical, que propunha um teatro político e participativo (Paradise Now foi seu espetáculo mais famoso).
Mas por que nos toca de perto a morte de Malina? Particularmente, pela atuação do Living em Minas, que se radicou por um breve período em Ouro Preto. O grupo veio para o Brasil em 1970, a convite do Oficina de José Celso; naquele momento, Marina & Beck eram nomes importantes na cena cultural – ao lado de gente como John Cage, Merce Cunningham, Nam June Paik, Yoko Ono e outros ligados ao movimento de arte multimídia Fluxus.
A vinda do Living para o Brasil deu-se num momento tumultuado, em plena ditadura militar (governo do general Médici). A repressão e a censura estavam por toda parte. Depois de passagens pelo Rio e por São Paulo, o grupo se dirigiu para Ouro Preto na tentativa de criar uma base de atuação ali, fazendo “teatro de rua” e envolvendo a população da cidade nas suas performances.
Era a época dos Festivais de Inverno promovidos pela UFMG – com cursos livres e atividades culturais diversas – uma espécie de “válvula de escape” no sufoco ditatorial. Para Ouro Preto seguia toda uma juventude embalada pela contracultura, a vida alternativa, as drogas e a liberdade sexual. Em geral, os espetáculos apresentados eram inovadores e experimentais (Smetak, por ex., com seus instrumentos inventados, dentro da Igreja de São Francisco de Assis). Os jovens curtiam; a população local ficava chocada e as autoridades militares sentiam-se provocadas.
Ora, num clima assim, imaginem como foi visto na cidade histórica o anárquico e libertário Living – seus integrantes com roupas exóticas e cabelos grandes. O grupo chegou a realizar algumas experiências teatrais com a população (incluindo crianças e adolescentes, num grupo escolar em Saramenha), mas acabou preso pelos militares, no DOPS, de BH, acusado de subversão e porte de drogas (maconha). OLiving viu a repressão e a tortura de perto.
A prisão de Malina, Beck e todo o grupo – formado por atores de várias nacionalidades – repercutiu internacionalmente. Um abaixo-assinado, condenando a repressão no Brasil e pedindo a libertação doLiving, foi publicado pelos jornais daqui e de fora (120 assinaturas: Norman Mailer, Tennessee Williams, Arthur Miller, Andy Warhol, Stanley Kubrick, Allen Ginsberg, John & Yoko, Mick Jagger, Bob Dylan, Marlon Brando, Jack Nicholson, Jane Fonda e muitos outros).
Living foi expulso do país pela ditadura Médici. Durante o tempo em que ficou presa no DOPS Malina escreveu um diário, que termina assim: “Julian está muito nervoso, preparando pronunciamentos para a imprensa. O resto de nós está quieto e triste. Nossos passaportes nos foram devolvidos com um enorme carimbo preto: EXPULSO. Ah, Brasil, não foi em vão que te amei”.



Fonte: http://domtotal.com/blog/carlosavila/?p=614

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